Nos últimos meses, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem analisado um dos temas mais relevantes para o direito digital e a responsabilidade civil das plataformas de internet: a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). A discussão gira em torno da exigência de ordem judicial prévia e específica para a remoção de conteúdos e da possibilidade de responsabilização das plataformas por danos decorrentes de publicações de terceiros.
O Julgamento do STF sobre o Artigo 19 e Seus Desdobramentos nas Plataformas Digitais
Em 27 e 28 de novembro de 2024, foram iniciadas as sustentações orais nos Recursos Extraordinários (REs) 1037396 e 1057258, que tratam do tema. No primeiro caso (RE 1037396), o Facebook questiona a decisão judicial de São Paulo, que determinou a remoção de um perfil falso. Por outro lado, no segundo (RE 1057258), o Google contesta a condenação por não excluir, sem ordem judicial, uma comunidade ofensiva no extinto Orkut.
O relator do RE 1037396, o ministro Relator Dias Toffoli, propôs uma mudança significativa no atual modelo de responsabilização. Em seu voto, apresentado em 05 de dezembro de 2024, ele defendeu que as plataformas devem remover conteúdos mediante simples notificação, sem necessidade de decisão judicial. Além disso, sugeriu a responsabilização objetiva das plataformas em casos de conteúdos que coloquem em risco pessoas vulneráveis, a saúde pública, o processo eleitoral ou a segurança do Estado Democrático de Direito.
O Voto do Ministro Luiz Fux
Em 11 de dezembro de 2024, o ministro Luiz Fux, relator do RE 1057258, também apresentou seu voto. Ele defendeu que as plataformas devem remover imediatamente conteúdos considerados ofensivos, como injúria, calúnia e difamação, mediante simples notificação do ofendido. Caso a remoção seja indevida, caberia ao autor do conteúdo questionado recorrer à Justiça para restabelecê-lo. Para crimes graves, como discurso de ódio e pornografia infantil, Fux sustentou que as plataformas devem realizar monitoramento ativo e remover tais conteúdos de forma imediata, sem necessidade de notificação.
O Voto do Ministro Barroso e o Pedido de Vista
Em 11 de dezembro de 2024, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, apresentou, em ambos os recursos, o seu voto com uma abordagem intermediária. Ele defendeu que as plataformas devem agir de forma proativa na remoção de conteúdos que claramente violam direitos fundamentais, como perfis falsos e crimes evidentes. No entanto, para crimes contra a honra, ele manteve a necessidade de decisão judicial, a fim de evitar censura indevida.
Barroso também propôs que o Congresso Nacional regulamente a atuação das plataformas digitais, estabelecendo um órgão fiscalizador para supervisioná-las. Contudo, o julgamento foi suspenso devido a um pedido de vista do ministro André Mendonça, o que interrompe momentaneamente a definição sobre a nova interpretação do artigo 19 do Marco Civil da Internet.
A Possível Mudança no Artigo 19 do Marco Civil: O que Esperar?
O desfecho desse julgamento terá um impacto significativo na forma como as plataformas digitais operam no Brasil. A flexibilização das regras pode aumentar a celeridade na remoção de conteúdos prejudiciais, mas também levanta preocupações sobre riscos de remoções abusivas. Por outro lado, a manutenção do modelo atual poderia preservar a liberdade de expressão, mas dificultaria a proteção de direitos individuais contra abusos na internet.
Ao que tudo indica, o STF entenderá pela adoção de um modelo que aplica a responsabilidade aos provedores e reforça deveres preventivos, buscando a Corte enfrentar os desafios da era digital, como desinformação, discursos de ódio e práticas ilícitas.
Para os provedores de hospedagem e de aplicação, esse cenário impõe a necessidade de adaptação rápida às novas exigências regulatórias, exigindo maior transparência e aprimoramento de seus processos internos de moderação de conteúdo. Empresas do setor precisarão investir em tecnologias e equipes especializadas para garantir conformidade, minimizando riscos de penalidades e protegendo sua reputação no mercado. Por outro lado, esse movimento também pode representar uma oportunidade para diferenciar-se pela implementação de boas práticas que reforcem a segurança e confiança no ambiente digital. Enquanto isso, os usuários poderão contar com mecanismos mais eficazes para proteção de seus direitos na internet, promovendo um equilíbrio entre liberdade de expressão e a responsabilidade das plataformas.
O Assis e Mendes segue acompanhando atentamente a evolução do julgamento e seus desdobramentos, especialmente para empresas de tecnologia e demais agentes do ambiente digital.
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Sobre a Autora
Natalia Queiróz Mulati Cassim é advogada da equipe de Contenciosa e Métodos Resolutivos de Controvérsias do Assis e Mendes. Pós-graduada em Direito Civil, Processo Civil e Direito Empresarial e Pós-Graduanda em Direito Digital.