Regulação Econômica das Big Techs: o que muda com o novo projeto de lei enviado à Câmara
Introdução
No último dia 17/09 o governo federal enviou à Câmara dos Deputados um projeto de lei que visa regular economicamente as plataformas digitais de grande porte — as chamadas big techs.
Esse projeto tem potencial de impactar profundamente o mercado de tecnologia no Brasil: para startups, empresas médias, prestadores de serviço, mas também para as gigantes que hoje dominam ecossistemas digitais. Entender o que muda é essencial para se antecipar, adaptar e, sobretudo, evitar riscos legais e competitivos.
O que propõe o projeto
Aqui estão os pontos principais do texto que já foi divulgado por: Ministério da Fazenda, Casa Civil e notícias da Agência Brasil.
Tema | Proposta / Alteração relevante |
Objetivo geral | Prevenir práticas que prejudiquem a concorrência, garantir liberdade de escolha, transparência, menor custo de serviços e preservar inovação. Serviços e Informações do Brasil+1 |
Ajustes na Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 12.529/2011) | Inserção de novos instrumentos voltados a plataformas de “relevância sistêmica”. Serviços e Informações do Brasil+1 |
Designação de plataformas de relevância sistêmica | O Cade poderá designar, via processo administrativo, plataforma que ultrapassar certos limites: faturamento mínimo no Brasil (R$ 5 bilhões/ano) e global (US$ 50 bilhões) ou outras características qualitativas. Serviços e Informações do Brasil+2Agência Brasil+2 |
Obrigações especiais para as plataformas designadas | Exigências de transparência de algoritmos, regras de não favorecimento de produtos próprios, portabilidade de dados, notificações prévias em casos de aquisições de startups, entre outros. CNN Brasil+2Agência Brasil+2 |
Sanções e fiscalização | Descumprimento das obrigações poderá gerar multas; o Cade terá papel ampliado na regulação desses casos. CNN Brasil+1 |
Quem será afetado
Empresas de tecnologia — tanto as grandes quanto aquelas menores que interagem com plataformas maiores — devem observar de perto, por vários motivos:
- Big techs já conhecidas no mercado (Google, Meta, etc.) podem ter que rever práticas de produto, UX, políticas de API, aquisições, algoritmos etc.
- Startups ou empresas de porte médio que dependem de acesso ou integração com essas plataformas terão novos parâmetros de atuação (por exemplo, interoperabilidade, portabilidade de dados, transparência).
- Possível aumento de compliance interno para evitar sanções: auditorias, documentações, ajustes contratuais.
Benefícios esperados
Para empresas de tecnologia que se adaptarem bem, os benefícios podem ser reais:
- Ambiente de negócios mais previsível: regras claras ajudam a evitar litígios ou penalidades por práticas vistas como abusivas ou anticoncorrenciais.
- Menos barreiras de entrada: com exigências que limitem práticas de favorecimento interno e estimulem a competição, pode haver espaço para novos players.
- Maior confiança do consumidor: transparência e liberdade de escolha tendem a gerar percepção positiva do público, útil para reputação e fidelização.
- Proteção legal melhorada: estar em conformidade desde o início reduz riscos futuros.
Desafios e pontos de atenção
Nem tudo será simples — a transição para esse novo regime vai exigir trabalho e investimento. Alguns desafios:
- Definir exatamente o que significa “relevância sistêmica” em cada caso prático. Há critérios objetivos (como faturamento), mas também características qualitativas que podem gerar incerteza.
- Possível conflito entre inovação/competitividade e regulamentação: regulamentos mais rígidos podem desincentivar experimentação se não houver clareza.
- Reações das big techs: resistência técnica, lobby, recursos judiciais.
- Interface com outras regulações (privacidade, proteção de dados, direito autoral) — ajustes terão de respeitar leis vigentes, inclusive internacionais, quando for o caso.
O que sua empresa de tecnologia deve fazer agora
Para evitar surpresas e se posicionar de forma competitiva, sugiro estas medidas práticas:
- Mapear dependências com plataformas digitais: saber quais APIs, algoritmos, parcerias ou integrações estão sob risco de mudança.
- Auditoria interna das práticas competitivas: revisar se há cláusulas ou práticas que possam ser consideradas favorecimento próprio ou exclusivas, barreiras injustas para terceiros, etc.
- Adequar transparência de algoritmos e de uso de dados: documentar como decisões automatizadas são tomadas, como dados dos usuários são tratados, se há possibilidade de portabilidade.
- Analisar M&A e aquisições de startups com cuidado legal e estratégico: será exigida notificação ao Cade em alguns casos.
- Acompanhar a tramitação do PL: enviar contribuições (quando houver consulta pública), ficar atento a emendas que alterem escopo ou obrigações.
- Capacitar equipe jurídica e técnica para interpretar e aplicar as novas regras assim que entrarem em vigor.
Possíveis cenários futuros
- O projeto pode sofrer alterações no Congresso: algumas obrigações ou critérios de designação podem ser suavizados ou ampliados.
- O Cade pode ganhar mais estrutura técnica, mais poder investigativo/regulatório para supervisionar compliance das plataformas.
- Incentivo para surgirem startups que aproveitem os espaços deixados pelas práticas restritivas antigas — novas oportunidades de nicho.
- Empresas estrangeiras que operam no Brasil terão que se ajustar às regras brasileiras, o que pode gerar custos de adaptação ou até reconsiderarem modelos de operação.
Conclusão
Esse novo projeto de regulação econômica das big techs representa uma mudança significativa para o mercado tecnológico no Brasil. Ele traz riscos, claramente, mas também oportunidades para quem se antecipar, revisar processos, investir em conformidade e transparência.
Para empresas de tecnologia, a recomendação é clara: não esperar que a lei esteja finalizada — começar agora a se preparar. Assim é possível transformar essa nova regulação em vantagem competitiva, em vez de custo inevitável.