PEC da Redução da Jornada de Trabalho: Desafios e Implicações

28 de novembro de 2024

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP) sugere reduzir a jornada semanal de trabalho no Brasil de 44 para 36 horas, mantendo o limite diário de 8 horas e os salários inalterados. Essa mudança representa uma ruptura significativa na estrutura trabalhista nacional, impactando trabalhadores, empregadores e a economia como um todo.

Este artigo examina os aspectos positivos, os desafios e as implicações mais amplas dessa proposta, com base nas características específicas do mercado brasileiro e nas experiências internacionais.

  • O que propõe a PEC?

A PEC visa alterar o artigo 7º, inciso XIII, da Constituição Federal, que hoje prevê a jornada máxima de 44 horas semanais. A proposta também elimina a escala 6×1, defendendo que a redução no tempo de trabalho ampliaria a qualidade de vida e fomentaria maior equilíbrio entre vida profissional e pessoal​.

Portanto, referido artigo passaria a ter a seguinte redação:

Redação atual do artigo 7º, XIII, da CF Redação proposta para o artigo 7º, XIII, da CF
XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

Embora seu principal objetivo seja criar melhores condições de trabalho, a mudança permitiria adaptações, como escalas de seis dias por semana com jornadas menores (6 horas diárias), preservando certa flexibilidade operacional​

  • Pontos Positivos

Qualidade de Vida e Saúde Mental: Estudos mostram que jornadas mais curtas estão associadas à redução de estresse, aumento de satisfação pessoal e maior equilíbrio entre vida profissional e familiar. Exemplos internacionais, como na Islândia, destacam a redução de índices de burnout e melhorias na produtividade individual​.

Um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) vincula jornadas longas a um aumento de 35% no risco de doenças cardíacas e 17% em depressão severa. Reduzir horas trabalhadas não apenas melhora a saúde mental, mas também reduz gastos de empresas com licenças médicas e absenteísmo

Estímulo à Economia e ao Consumo: Ao manter os salários inalterados, a PEC busca preservar o poder de compra dos trabalhadores. Isso poderia estimular o consumo, especialmente no setor de serviços, dinamizando segmentos da economia que dependem de uma base sólida de consumidores​.

Estudos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) indicam que o Brasil já teria condições de implementar a redução sem prejudicar a economia, especialmente considerando que a participação dos salários no PIB caiu em anos recentes (redução de 12,9% entre 2016 e 2021), enquanto os lucros empresariais cresceram (Aumento de 16% no mesmo período). Isso reforça a ideia de que a redistribuição dos ganhos de produtividade pode beneficiar tanto trabalhadores quanto a economia como um todo​

Um estudo da 4 Day Week Global revelou que trabalhadores com mais tempo livre tendem a gastar em experiências (viagens, entretenimento) e serviços (restaurantes, academias), contribuindo para o crescimento econômico local. Um exemplo prático é a Islândia, onde trabalhadores relataram maior gasto em atividades de lazer, impactando positivamente pequenos negócios​. No Reino Unido, da mesma forma, a jornada reduzida aumentou o consumo local em certas áreas.

Tendência Global: A proposta acompanha movimentos globais de flexibilização do trabalho. Países como a Espanha, o Reino Unido, Japão, Alemanha e a Nova Zelândia têm experimentado modelos de trabalho reduzidos com resultados positivos, como maior engajamento e eficiência, além de melhor adaptação às novas realidades tecnológicas​.

Empresas que testaram semanas reduzidas observaram economia em áreas como energia, transporte de funcionários e despesas médicas. Um exemplo é a Microsoft Japão, que, além de ganhos de produtividade, reduziu custos operacionais em 23%

Casos Bem-Sucedidos

  • Islândia: Um experimento com jornadas de 35 horas semanais mostrou que trabalhadores apresentaram produtividade igual ou superior à obtida em jornadas tradicionais. A redução foi acompanhada por reorganização de processos, destacando a importância de gestão eficiente.
  • Reino Unido: Empresas que adotaram a semana de quatro dias reportaram aumento na eficiência, menor absenteísmo e maior engajamento.
  • Japão: A Microsoft testou a semana de quatro dias, reportando um aumento de 40% na produtividade em suas operações locais​
  • Alemanha: Com jornadas já reduzidas em alguns setores, a Alemanha aposta no equilíbrio entre vida e trabalho, reduzindo custos associados ao absenteísmo e estresse ocupacional.
  • Espanha: Oferece subsídios governamentais para pequenas empresas que adotam semanas de 32 horas, compensando potenciais perdas de produtividade inicial​

Diferenças Relevantes

Os países mencionados possuem maior nível de automação, proteção social robusta e maior produtividade média por trabalhador. No Brasil, esses fatores limitantes podem dificultar uma implementação uniforme ou os mesmos resultados positivos​

  • Desafios e Críticas – Impactos Econômicos

Custos Operacionais Elevados: Reduzir a jornada sem cortes salariais pode aumentar os custos de produção. Setores intensivos em mão de obra, como comércio e manufatura, seriam mais impactados. A Confederação Nacional do Comércio (CNC) argumenta que essa mudança pode agravar a situação de empresas já pressionadas por altos encargos tributários​.

O país já possui um dos sistemas trabalhistas mais regulamentados do mundo, com encargos que tornam a contratação formal onerosa. Além disso, a mudança exigiria consenso político e amplo apoio legislativo, além de ajustes setoriais significativos para evitar impactos negativos na economia.

Produtividade e Competitividade: No Brasil, a produtividade é considerada baixa em comparação a países desenvolvidos. Reduzir o tempo de trabalho sem ganhos reais de eficiência pode afetar a competitividade das empresas no mercado global, especialmente em setores exportadores​.

Viabilidade para Pequenas e Médias Empresas (PMEs): As PMEs, que representam a maior parte dos empregos formais no Brasil, enfrentam margens operacionais estreitas e menor capacidade de investir em automação ou reorganização de processos. A adaptação à nova jornada poderia forçar cortes de pessoal ou até mesmo falências em cenários adversos​

Questões Jurídicas e Negociação Coletiva: Especialistas apontam que a PEC pode reduzir a importância da negociação coletiva, que já permite ajustes de jornada conforme as necessidades específicas de cada setor, conforme previsto na reforma trabalhista de 2017​

  • Panorama Brasileiro

Mercado de Trabalho Informal: No Brasil, cerca de 40% dos trabalhadores estão na informalidade. Para esses trabalhadores, a PEC teria impacto limitado, já que eles não são diretamente beneficiados pelas proteções da CLT. Isso levanta a questão da exclusão social e da necessidade de políticas complementares para formalizar relações de trabalho​

Sistemas Produtivos: Setores como o agronegócio, que operam com alta demanda por jornadas flexíveis, podem enfrentar dificuldades práticas para reorganizar escalas sem comprometer a produtividade.

Apoio Popular: A proposta ganhou força com o movimento “Vida Além do Trabalho”, que coletou mais de 1,5 milhão de assinaturas para respaldar a PEC. A popularidade demonstra a relevância do tema para a sociedade, embora setores produtivos e associações empresariais tenham manifestado resistência​

  • Reflexões e Propostas

Implementação Gradual: Para evitar rupturas econômicas, a PEC poderia ser implementada progressivamente, começando por setores de alta produtividade ou em regiões específicas. Isso permitiria avaliar os impactos antes de sua aplicação nacional.

Políticas Complementares: Investimentos em educação e qualificação são essenciais para aumentar a produtividade e permitir que trabalhadores façam mais em menos tempo. Além disso, incentivos fiscais para empresas que adotarem a jornada reduzida podem minimizar os impactos financeiros.

Flexibilidade por Setor: A aplicação da PEC deve considerar as peculiaridades de diferentes setores econômicos, permitindo adaptações em negociações coletivas específicas.

  • Impactos da PEC para Empresas de Tecnologia

As empresas de tecnologia enfrentariam implicações específicas caso a PEC, que reduz a jornada semanal de 44 para 36 horas, seja aprovada. Esses impactos variam de acordo com o modelo de operação, a maturidade tecnológica e a natureza das atividades desempenhadas.

6.1. Potenciais Benefícios

Aumento de Produtividade: Empresas de tecnologia frequentemente apresentam alta capacidade de adaptação a novas dinâmicas de trabalho. Setores de TI, desenvolvimento de software e startups, que já adotam modelos híbridos e flexíveis, poderiam se beneficiar ao atrair talentos mais engajados e dispostos a entregar maior qualidade de trabalho em menor tempo.

  • Exemplo Internacional: A Microsoft Japão experimentou semanas de quatro dias e observou um aumento de 40% na produtividade, sugerindo que a tecnologia pode ser usada para maximizar resultados mesmo com menos horas de trabalho​

Retenção e Atração de Talentos: A indústria de tecnologia é conhecida por sua alta rotatividade de funcionários. Jornadas reduzidas, combinadas com benefícios como trabalho remoto, podem se tornar uma vantagem competitiva significativa na disputa por talentos, especialmente entre profissionais qualificados que valorizam equilíbrio entre vida pessoal e profissional.

Cultura Inovadora: A mudança pode fomentar uma cultura organizacional focada em resultados e inovação, com equipes buscando soluções mais eficientes para maximizar o tempo disponível.

6.2. Desafios e Riscos

Pressão por Resultados: Empresas de tecnologia frequentemente operam com metas agressivas e prazos curtos. Reduzir a jornada pode aumentar a pressão sobre equipes para entregar resultados mais rapidamente, o que pode, paradoxalmente, intensificar o estresse.

Custo de Mão de Obra: Apesar de modelos híbridos e automatizados, muitas empresas ainda dependem de profissionais para funções intensivas, como suporte técnico e desenvolvimento contínuo. Manter salários inalterados enquanto reduz o tempo de trabalho poderia aumentar custos operacionais e afetar a margem de lucro, especialmente para startups em fase inicial.

Dependência de Horas Extras: Alguns projetos de tecnologia, como desenvolvimento de software ou lançamento de produtos, demandam horas extras em momentos críticos. A PEC, ao propor jornadas menores sem perda salarial, pode limitar essa flexibilidade e encarecer o trabalho adicional, exigindo renegociações contratuais ou aumento de equipes.

 

6.3. Especificidades do Setor de Tecnologia no Brasil

Falta de Profissionais Qualificados: No Brasil, há uma escassez de mão de obra qualificada em tecnologia. Reduzir a jornada semanal pode agravar esse problema, uma vez que mais profissionais seriam necessários para manter a produção, algo que muitas empresas podem não conseguir viabilizar no curto prazo.

Competitividade Global: Empresas brasileiras já enfrentam dificuldades para competir globalmente devido a altos encargos trabalhistas e baixa produtividade em relação a países desenvolvidos. Implementar a PEC sem considerar essas variáveis pode aumentar a desvantagem competitiva frente a mercados com regulamentações mais flexíveis.

Impacto nas Startups: Startups, que frequentemente têm orçamentos limitados e dependem da flexibilidade de suas equipes, podem ser desproporcionalmente impactadas pela mudança. Essas empresas podem precisar buscar mais financiamento ou alterar seus modelos operacionais para se adequarem às novas regras.

 

6.4. Estratégias de Adaptação

Automação: A tecnologia é uma aliada para compensar a redução de horas trabalhadas. Investimentos em ferramentas de automação, inteligência artificial e processos otimizados poderiam ajudar empresas a manterem produtividade com equipes reduzidas.

Gestão de Projetos Ágil: Metodologias ágeis, como Scrum ou Kanban, já são amplamente utilizadas em tecnologia e poderiam ser intensificadas para maximizar a eficiência em jornadas reduzidas.

Reestruturação de Benefícios: Empresas poderiam equilibrar o impacto financeiro da PEC por meio de modelos alternativos, como priorizar jornadas reduzidas como um diferencial competitivo, em vez de focar apenas em salários elevados.

  • Conclusão

A PEC da redução da jornada semanal para 36 horas levanta questões fundamentais sobre o futuro do trabalho no Brasil. Embora traga potencial para melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores, sua implementação exige um planejamento detalhado para mitigar impactos econômicos, garantir competitividade e promover inclusão social. A complexidade do tema ressalta a necessidade de um diálogo amplo e transparente entre governo, empresas e trabalhadores.

Em relação ao setor de Tecnologia, a PEC apresenta oportunidades e desafios. Empresas com maior maturidade tecnológica e cultura flexível podem transformar a redução da jornada em um diferencial competitivo, especialmente na retenção de talentos e na inovação. No entanto, startups e empresas dependentes de mão de obra intensiva enfrentarão maiores dificuldades de adaptação. Para que os benefícios sejam amplamente sentidos, será essencial uma implementação gradual e a adoção de políticas complementares, como incentivos à automação e à capacitação profissional.

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