A vida em sociedade, em si, é aceita, porquanto a coletividade acredita ser essa a melhor forma de proporcionar maiores condições de alcance da felicidade, mesmo diante de todos os prós e os contras, ônus e benefícios. Segundo Luiz Alberto David Araújo, para a constatação desse fato basta verificar o conteúdo histórico trazido pela evolução do pensamento humano.
Até meados do século XX, a sociedade era basicamente regida por uma visão patrimonial da vida, a família era um fim em si mesmo, que visava unicamente a perpetuação da espécie e a garantia de que a herança seria recebida por algum descendente, ou seja, tinha-se exclusiva preocupação com o patrimônio e não com a dignidade da pessoa humana, de modo que tal costume refletia-se por completo na legislação vigente à época.
Essa legislação, que levava em consideração única e exclusivamente o patrimônio, perdurou até o século XX, momento em que a dignidade humana passou a ser o princípio objetivo da norma existente, propiciando que os indivíduos vivessem de acordo com suas próprias escolhas e características.
Nota-se que a mudança na visão de proteção apenas ao patrimônio da pessoa humana ensejou a preocupação do Direito com os valores que efetivamente trazem felicidade aos indivíduos, quais sejam: o amor, o respeito recíproco, a solidariedade etc.
Quanto à família, um longo tempo após a realidade social ter demonstrado que muitos casais encontravam-se infelizes no matrimônio, até então indissolúvel, a legislação, adaptando-se a evolução da sociedade, passou a admitir o divórcio como forma de assegurar a essas pessoas o direito de buscarem a felicidade, que havia deixado de existir na união.
É certo que o direito deve acompanhar o fato social, a menos que haja um fundamento válido ante a isonomia ou outro princípio constitucional que justifique o contrário.
O intervencionismo estatal nos elos da afetividade social é o que leva o legislador a dedicar um ramo do direito somente à família, que é a base da vida em sociedade, sendo encarada como uma célula da sociedade e não do Estado.
Diante de todo o dinamismo do direito de família, o legislador não consegue acompanhar e contemplar a realidade social e as inquietações do mundo contemporâneo. A mudança é o cerne da sociedade, que está sempre evoluindo e transformando-se, rompendo com velhas tradições e quebrando tabus, gerando a incessante necessidade de atualização das normas.
Mudar as regras do direito de família é uma árdua tarefa, já que quando se trata de relações afetivas a alteração das leis é algo muito mais complexo do que apenas a atualização normativa em si, isso porque os seus efeitos irão refletir diretamente no comportamento social, na vida em sociedade e na estrutura base do Estado.
A mudança legislativa, conforme já dito, inicia-se em virtude da necessidade de adaptação das normas à atual sociedade, de modo que o operador do direito possui grande relevância em tais adequações. É por meio das ações judiciais, nas quais o operador do direito busca reinterpretar a norma – com aplicações analógicas, por exemplo – que nascem precedentes com repercussão geral, evidenciando-se a necessidade da adequação legislativa aos novos precedentes.
O Supremo Tribunal Federal – STF, por meio do julgamento da ADPF 132 e da ADI 4.277, ocorrido em 05 de maio de 2011, deu o status de família a união estável homoafetiva, concedendo-lhes os mesmos direitos aplicáveis a união estável heteroafetiva, dando interpretação segundo a Constituição Federal ao artigo 1.723 do Código Civil, excluindo do dispositivo legal qualquer interpretação que impedisse o reconhecimento de união contínua e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
Também, em maio de 2017, o STF julgou inconstitucional o artigo 1.790, do Código Civil, afirmando que a Constituição Federal contempla diferentes formas de família, além da que resulta do casamento.
Com isso, passou a ser inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1.829, do Código Civil.
Nota-se, portanto, que por meio da atuação do operador do direito, que pleiteia em suas ações uma nova interpretação à norma, o Judiciário, adaptando-se à evolução social, atribui novos ditames ao disposto em lei, provocando, consequentemente, o Poder Legislativo, que se vê obrigado a alterar normas que não condizem mais com a atual sociedade, visto que essa não é limitada e engessada, portanto, normas que atuam desta maneira tornam-se ultrapassadas e ineficazes com grande celeridade.
FERNANDA MIRANDA é advogada da equipe Contenciosa e Métodos Resolutivos de controvérsias do Assis e Mendes Sociedade de Advogados.