A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabelece que o Estado deve cumprir objetivos fundamentais, quais sejam: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
É sabido que, desde a antiguidade, o homem tinha como necessidade viver em comunidade e com a reunião destas pessoas se deu a formação de família, que surgiu muito antes da igreja, códigos e do Direito na vida das pessoas, a qual vem mudando e transformando-se com a evolução cultural dos povos, expressos de geração em geração.
Também são notórias as mudanças ocorridas no modelo de família tradicional que passaram a ter como enfoque o afeto, o qual é o mais forte sentimento que mantém as novas entidades familiares, bem como a evolução de uma sociedade que outrora abrigou uma família patriarcal que apresentava inúmeras discriminações em função do contexto social.
Tal mudança trouxe a necessidade da criação de normas que protejam e assegurem a constituição das famílias em geral, e não apenas a família tradicional, em seus direitos morais, materiais e psicológicos.
A existência da família homoafetiva não é uma novidade jurídica, tendo em vista que há inúmeros julgados nesse sentido em nossos Tribunais, gerando uma série de controvérsias sobre a fundamentação de tais decisões, pois não há em nossa legislação uma lei que discipline esta união, tampouco a nova espécie de família que surge com o reconhecimento dessa relação, no que tange aos filhos oriundos dessas famílias.
Frise-se que o reconhecimento da união homoafetiva conduz a diversos problemas jurídicos, pois são muitos os direitos que não são viabilizados a essa parte da população brasileira, que igualmente participam da sociedade ativa, sendo todos sujeitos de direitos e deveres, e que buscam incansavelmente serem sujeitos plenos em igualdade de tratamento como qualquer outro cidadão, independente da opção sexual.
A ciência jurídica tem um grande déficit em acompanhar essa evolução da sociedade, que se dá com uma agilidade sem precedentes. Somados a isso, o discurso e a interpretação da norma estão permeados de pré-conceitos e dogmas antigos que se refletem amplamente na aplicação da lei.
Assim, embora o Poder Legislativo permaneça sem regrar o assunto, vedando os olhos para o inevitável, o Judiciário não permanece inerte a diversas relações que vem surgindo, ante ao grande número de ações que acabam por abarrotar o judiciário em busca de decisões que regulamentem essas relações.
Acaba por ficar nas mãos do judiciário, intérprete real do Direito, o dever de ousar e romper barreiras de uma sociedade que, abusivamente, impede as famílias homoafetivas de terem seus direitos reconhecidos e juridicamente respeitados, vindo a prejudicar, inclusive, direito da prole, seja patrimonial, social ou moral, como também direito ao nome de ambos os pais ou mães no registro civil.
FERNANDA MIRANDA é advogada da equipe Contenciosa e Métodos Resolutivos de controvérsias do Assis e Mendes Sociedade de Advogados.