3O Direito brasileiro segue caminhando para se alinhar a um mundo cada vez mais digital e conectado. Mas em algumas situações as regras das plataformas online entram em conflito com a justiça brasileira.
Nesses momentos sempre surge uma certa insegurança sobre os limites do direito digital e como a justiça deve responder às questões relacionadas com a internet.
Ano após ano temos avançado bastante nesse aspecto, mas ainda existem situações em que os conflitos acontecem, e nós veremos três delas a seguir.
Justiça brasileira e os bloqueios do WhatsApp
A justiça brasileira já bateu muito de frente com o WhatsApp, o aplicativo de mensagens instantâneas mais famoso do mundo. Só entre 2015 e 2016 o app foi bloqueado 4 vezes no país, deixando mais de 120 milhões de usuários sem acesso às suas conversas.
A primeira delas aconteceu em fevereiro de 2015, quando um juiz do Piauí determinou que a utilização do aplicativo fosse suspensa por não colaborar nas investigações de casos de pedofilia. Os suspeitos teriam trocados mensagens pelo WhatsApp que comprovariam o crime e o bloqueio pressionaria o Facebook, que é o dono do app de mensagens, a enviar as informações.
Apesar disso, a suspensão não chegou a acontecer porque a decisão foi revogada por um desembargador do mesmo estado. O Tribunal de Justiça piauiense teria entendido que os demais usuários brasileiros não deveriam ser punidos por conta da investigação.
Mas a situação foi diferente em dezembro do mesmo ano quando o WhatsApp realmente chegou a ser bloqueado por cerca de 12 horas em todo o território nacional. A sanção teria ocorrido porque o aplicativo também não entregou à justiça brasileira mensagens que também contribuiriam com uma investigação.
Em maio de 2016 o mesmo aconteceu e o WhatsApp foi novamente bloqueado por não colaborar com a justiça brasileira. Nesta terceira vez, o período de suspensão do serviço foi de 24 horas.
O quarto bloqueio aconteceu em julho do mesmo ano, quando uma juíza do Rio de Janeiro interpretou que o aplicativo de mensagens estava prejudicando investigações por não desabilitar sua criptografia. A intenção da magistrada era que as mensagens trocadas por investigados chegassem ao poder público em tempo real. Novamente, a decisão foi revogada horas depois pelo presidente do STF.
Facebook condenado a pagar multa à justiça brasileira
O Facebook também já enfrentou a justiça brasileira. Em abril de 2018 foi multado em cerca de R$ 112 milhões por descumprir uma ordem para quebra de sigilo. Na época, estava em curso uma investigação sobre desvio de verba pública que teria acontecido no Amazonas em 2016. A justiça desejava acessar mensagens e outros dados contidos no Facebook para trazer mais provas para a investigação.
O Facebook afirmou ter entregue todas as informações de acordo com a legislação brasileira e, por isso, não reconhecia a multa. Em comunicado, a rede social de Mark Zuckerberg informou que “respeita a Justiça brasileira e coopera com as autoridades”, e acrescentou: “entendemos que a multa é indevida e estamos explorando nossas opções legais”.
Antes, a justiça brasileira já tinha anunciado que multaria a rede social em R$ 4 milhões depois de o Facebook não fornecer informações sobre um perfil que estaria vendendo anabolizantes e remédios sem autorização. E o fez novamente em agosto de 2018 quando foi cobrado multa de R$ 3 milhões por não ter havido a quebra de sigilo em um caso de veiculação de mensagens contra uma coligação nas eleições em 2012.
O Facebook já foi multado ainda pela justiça britânica, por suspeitas de usar os dados contidos na rede para influenciar e manipular as últimas eleições presidenciais dos Estados Unidos.
Aplicativos, o direito à privacidade e os cibercrimes
Em 2014 o aplicativo Secret era novidade entre os usuários de smartphones. A proposta era bem simples: criar uma rede social onde se pudesse compartilhar segredos com amigos e familiares ou de forma anônima.
O que parecia mais uma rede social inofensiva acabou se tornando um caso para a justiça brasileira intervir. Em pouco tempo o Secret virou palco para que os usuários publicassem informações íntimas de outras pessoas, incluindo seus nomes verdadeiros, fotos e vídeos. Além disso, muitas contas aproveitavam os perfis anônimos para publicar conteúdo racista, homofóbico e prejudicar a imagem de outras pessoas que, muitas vezes, nem utilizam o app.
Em agosto o Secret foi banido do Brasil por uma decisão do Tribunal de Justiça do Espirito Santo. No mês seguinte o processo foi revisto e o Secret voltou às lojas de app, mas por pouco tempo. No ano seguinte o desenvolvedor do aplicativo decidiu descontinuar o serviço por ter percebido que o ele já não representava mais o que tinha idealizado no começo do projeto.
O mesmo aconteceu com outros aplicativos, com o Sarahah, que assim com o Secret, era um sistema de mensagens anônimas, e o Lulu, que servia para que mulheres avaliassem anonimamente o desempenho sexual dos homens.
O Sarahah rapidamente passou a ser usado como uma forma de praticar cyberbullying e antes que fosse removido pela justiça, o próprio desenvolvedor o retirou das lojas de aplicativos. Já o Lulu se tornou uma ferramenta para constranger e expor as pessoas, o que fez com que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal determinasse a exclusão imediata de todos os dados e imagens publicadas no app sem consentimento de seus donos.
Depois de ser suspenso no país, o Lulu se tornou um aplicativo de namoro, mas no Brasil nem essa versão foi disponibilidade para os usuários.
Aplicativos e redes sociais X justiça brasileira: quem vence essa batalha?
Analisando os casos de conflito entre o Direito brasileiro e as redes e app que sofreram sanções ou até foram impedidas de atuar no território nacional, várias questões são levantadas.
Nos casos de quebra de sigilo entra em jogo não só a privacidade dos dados (principalmente quando o objetivo de investigação ainda é apenas um suspeito), mas também a forma como essas plataformas digitais estrangeiras são obrigadas a se moldar para atender a ordens e legislações de países nos quais atuam.
Isso nos faz pensar no quanto é “seguro” incluir nossos dados e ter conversas através desses aplicativos e até onde a justiça pode ir em uma investigação.
Nos questionamos: retirar o acesso de milhões de usuários é a melhor forma de conseguir o cumprimento de uma ordem judicial? Essa é a regra? Afinal, é perceptível que a própria comunidade jurídica ainda é insegura sobre essa forma de “punição” pela falta de colaboração. Já que as decisões de bloqueio são tomadas e revogadas horas depois pelos próprios magistrados.
Outro ponto importante: em uma sociedade em que as práticas de crimes digitais como o pornô de vingança e o cyberbullying ainda precisam ser duramente combatidas, será interessante criar aplicativos em que o foco é fazer discursos anônimos?
E mais, quais os efeitos “offline” na vida daqueles que foram ameaçados e hostilizados por aplicativos como o Secret? Ou que tiveram suas reputações prejudicadas por serviços como o Lulu? Certamente nesses tipos de situações caberiam a retratação por danos morais e a aplicação do direito ao esquecimento. Mas será que as vítimas sabem que esses recursos judiciais alcançam a internet e os milhares de aplicativos que existem nela?
Ainda existem muitas perguntas para serem respondidas quando confrontamos o comportamento na internet e a justiça brasileira. E você, o que pensa desses casos? Conte para a gente nos comentários.