Como a MP 869/2018 pode modificar a LGPD

7 de março de 2019

Culturalmente, as últimas semanas de dezembro e os primeiros dias de janeiro são momentos pouco movimentados no âmbito socioeconômico e dificilmente acontecem mudanças de grande impacto nesses dias. Mas na virada de 2018 para 2019 não foi bem assim.

No dia 27 de dezembro do ano passado foi publicada a MP 869/2018, que criou a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e fez diversas mudanças na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), iniciativa que regulamenta a coleta e processamento de informações pessoais no Brasil.

A seguir, veremos algumas das principais alterações dessa medida provisória que pegou boa parte da comunidade jurídica de surpresa.

Muda a vigência da LGPD

Quando publicada, foi definido que as regras da Lei Geral de Proteção de Dados passariam a vigorar em fevereiro de 2020, mas como a MP 869/2018 isso já mudou. O novo prazo é agosto de 2020, o que dá para as empresas mais 6 meses para se prepararem para a LGPD.

Apesar de o limite para implementação das diretrizes da LGPD ter sido ampliado, há um longo processo para diagnosticar, pesquisar e planejar as mudanças nos procedimentos de captação e processamento de dados em uma empresa. Para que essa transição seja eficiente e não prejudique o desempenho do negócio, o ideal é que as empresas comecem a se preocupar com a LGPD ainda em 2019.

Companhias que deixam as adequações para a última hora correm riscos de não estar em total compliance até o prazo e arcar com multas altíssimas.

Criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados

Apesar de boa parte dos artigos sobre ela terem sido vetados nos textos iniciais da LGPD, a figura Autoridade Nacional de Proteção de Dados volta a fazer parte da legislação brasileira efetivamente e ganha novos contornos.

O artigo 55 da MP 869 oficializa a criação da ANPD “sem aumento de despesas”. De acordo como o texto, o órgão fará parte da “da administração pública federal, integrante da Presidência da República” e terá autonomia técnica para zelar pela proteção de dados.

A instituição será composta por um Conselho Diretor (formado por 5 membros nomeados pelo Presidente), um Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade (constituído por 23 membros, incluindo representantes das esferas científica e empresarial), uma corregedoria, uma ouvidoria, um órgão de assessoramento jurídico próprio e unidades administrativas necessárias à aplicação da lei.

Fazem parte das obrigações da ANPD:

  • Editar normas e procedimentos sobre a proteção de dados pessoais;
  • Requisitar informações, a qualquer momento, aos controladores e operadores de dados pessoais que realizem operações de tratamento de dados pessoais;
  • Implementar mecanismos simplificados, inclusive por meio eletrônico, para o registro de reclamações sobre o tratamento de dados pessoais em desconformidade com esta Lei;
  • Fiscalizar e aplicar sanções na hipótese de tratamento de dados realizado em descumprimento à legislação, mediante processo administrativo que assegure o contraditório, a ampla defesa e o direito de recurso;
  • Difundir na sociedade o conhecimento sobre as normas e as políticas públicas de proteção de dados pessoais e sobre as medidas de segurança;
  • Realizar consultas públicas para colher sugestões sobre temas de relevante interesse público na área de atuação da ANPD.

Maior abertura para recolhimento de dados

Algumas mudanças promovidas pela MP 869/2018 parecem ter sido adotadas para facilitar a coleta de informações pessoais em algumas esferas.

O recolhimento com fins acadêmicos, por exemplo, ganhou menos restrições. O processamento de dados sensíveis (aqueles que podem gerar constrangimento ou outras situações desagradáveis para os usuários, como os relacionados à saúde, posição política e orientação sexual) também parece ter sido flexibilizado.

Por exemplo, em seu texto anterior, a LGPD permitia a comunicação de dados de saúde apenas nos casos de portabilidade solicitada pelo titular. Com a MP 869, existe agora uma exceção se houver “necessidade de comunicação para a adequada prestação de serviços de saúde suplementar”.

A grande questão em situações como essas é regulamentar essa “necessidade” em compartilhar dados tão delicados e entender se está realmente ligada a atender bem um consumidor.

Mudanças na figura do encarregado (DPO)

A LGPD sempre mencionou a existência de um encarregado pelo tratamento de dados (conhecido como DPO), mas a medida provisória divulgada no fim de 2018 também alterou o seu perfil.

Antes, o encarregado era tido como uma pessoa natural, ou seja, física. No texto atualizado, ele passa a ser apenas uma “pessoa”, o que abre espaço para que seja física ou jurídica.

Terceirizar a atividade e contratar empresas que façam o monitoramento dos dados pode criar novos nichos de negócios na área da segurança digital. Por outro lado, não ter um encarregado atuando internamente no negócio, pode reduzir a eficácia no monitoramento e fazer com que a empresa que recolhe os dados se sinta menos responsável por estar em compliance com as regras.

Menos transparência no tratamento

Outro ponto que tem gerado controvérsias é o fato de a MP 869/2018 ter suprimido alguns parágrafos que asseguravam ao titular os direitos sobre os seus dados.

O primeiro parágrafo do artigo 7º, por exemplo, descrevia que o titular deveria ser informado quando o tratamento de seus dados fosse utilizado mediante o cumprimento de obrigação legal ou pela administração pública, mas foi revogado pela nova medida provisória.

Com isso, os órgãos públicos podem se isentar de comunicar os titulares sobre a utilização de seus dados pessoais e os cidadãos perdem a chance de saber como o governo está usando suas informações.

Considerando que os órgãos públicos também possuem contratos e convênios com empresas de direito privado, os dados pessoais recolhidos pelo poder público também poderão ser repassados para essas contratadas, visto que se enquadram no “cumprimento de obrigação legal e de administração pública”.

Talvez você esteja se perguntando: “mas os governos já não tinham maior facilidade para recolher dados pessoais?” Sim, e isso é compreensível, uma vez que as instituições públicas precisam de certas informações para o cumprimento da legislação. Mas a alteração permite que façam uso dos dados pessoais dos cidadãos e os compartilhem com empresas privadas sem que tenham a obrigação de notificar os titulares. E, com isso, deve haver menos transparência e ciência sobre a proteção de dados, o que pode ser um grave retrocesso.

Ainda tem dúvidas sobre a MP 869/2018, a LGPD ou mesmo sobre o GDPR europeu? Entre em contato com os nossos advogados especialistas em direito digital e proteção de dados!

Compartilhe:

Mais Artigos

Você ainda tem dúvidas sobre ter um DPO na sua empresa?

Nos últimos 5 anos um dos profissionais mais requisitados no mercado é o encarregado de dados pessoais, também conhecido como DPO, como consta na GDPR (legislação de proteção de dados …

STARTUPS: CONSIDERAÇÕES SOBRE ENQUADRAMENTO E BENEFÍCIOS DESTA CATEGORIA EMPRESARIAL

Conheça os requisitos para enquadramento como Startup e saiba se você pode usufruir de tais benefícios

O QUE É O MOU (MEMORANDO DE ENTENDIMENTO) E COMO ELE PODE PROTEGER O SEU NEGÓCIO?

Conheça um pouco mais sobre o Memorando de Entendimento, ou Memorandum of Understanding

O QUE É ANONIMIZAÇÃO DE DADOS E COMO DEVO PROCEDER?

Anonimização de dados. Como solicitar e proceder com a anonimização.

PROTEÇÃO DE DADOS NAS REDES SOCIAIS: DIREITO À INDENIZAÇÃO PELO VAZAMENTO RECONHECIDO PELA JUSTIÇA

Direito ao recebimento de indenizações por danos morais pelo vazamento de dados pessoais pelo Facebook e Tik Tok.

Desafios da Inadimplência: Estratégias e Alternativas à Judicialização

Descubra estratégias eficazes para lidar com a inadimplência de clientes sem recorrer imediatamente à judicialização. Este artigo explora alternativas viáveis, como o diálogo proativo, negociação amigável, formalização da cobrança e opções de resolução extrajudicial, visando preservar o relacionamento comercial e minimizar os impactos financeiros para sua empresa.

Entre em contato

Nossa equipe de advogados altamente qualificados está pronta para ajudar. Seja para questões de Direito Digital, Empresarial ou Proteção de Dados estamos aqui para orientá-lo e proteger seus direitos. Entre em contato conosco agora mesmo!

Inscreva-se para nossa NewsLetter

Assine nossa Newsletter gratuitamente. Integre nossa lista de e-mails.