Comuns e numerosas são as discussões sobre abusividade de cláusula contratual, principalmente em relação à retenção de valores em caso de rescisão do contrato de venda e compra de um imóvel.
Por óbvio, as partes envolvidas em um contrato têm o direito de desistir da negociação, seja em um contrato comercial, de honorários, prestação de serviço etc, de modo que tal direito de desistência também se aplica ao contrato de venda e compra de um imóvel.
A desistência pode ocorrer após a assinatura do contrato preliminar ou após a assinatura do contrato definitivo, que poderá ser realizado por meio de escritura pública. Havendo desistência consensual, essa se dará por meio de distrato, já quando ocorrer de modo unilateral se dará por meio judicial, com a consequente propositura de ação de rescisão contratual.
É neste momento da rescisão, seja judicial ou extrajudicial, que surge o grande debate sobre o tema, qual seja: o valor a ser retido quando o fim do contrato de compra e venda de imóvel se der por culpa do comprador.
Tendo em vista a quantidade de reclamações e ações judiciais de adquirentes, visto a abusividade de cláusulas contratuais que impõem onerosidade excessiva aos consumidores quando da resolução do contrato, gerando vantagem indevida e enriquecimento sem causa por parte das vendedoras, bem como visando a adequação da relação estabelecida entre fornecedores e consumidores, que devem estar adequadas às normas protetivas previstas no Código de Defesa do Consumidor, o Ministério Público do Estado de São Paulo ingressou com ação coletiva.
Na referida ação, que em primeira instância recebeu a numeração processual 1053043-30.2017.8.26.0100 e tramitou junto a 10ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo/SP, movida em face das empresas Fibra Brookfield Empreendimentos Imobiliários Ltda. e Brookfield São Paulo Empreendimentos Imobiliários S.A., insurgiu-se o MP/SP contra cláusula contratual que fixava a retenção de valores entre 50% e 70% do montante pago pelo adquirente, na hipótese da rescisão contratual ter sido motivada pela inadimplência desse.
Em sentença de primeiro grau, a ação foi julgada improcedente, sob a fundamentação do magistrado de que o engessamento da cláusula contratual quanto à porcentagem acarretaria a perda da competitividade das Rés junto ao mercado, com a consequente perda do equilíbrio concorrencial.
Após o MP/SP apresentar Recurso de Apelação, esse teve seu provimento negado pelo Tribunal de Justiça, o que resultou na interposição, também pelo MP/SP, de Recurso Especial junto ao Superior Tribunal de Justiça – STJ.
Recebendo a numeração processual 1.820.330, o Recurso Especial foi apreciado e julgado pela 03ª Turma do STJ, que proveu o recurso julgando parcialmente procedente o pedido da ação coletiva, limitando o percentual de retenção na hipótese de desfazimento do contrato por iniciativa ou culpa do comprador a 25% dos valores pagos pelos consumidores.
Em acórdão proferido, a relatora do recurso, Ministra Nancy Andrighi, mencionou a mais atual posição do 02ª seção, referente aos contrato firmados anteriormente à lei 13.786/18, em que tem-se como percentual de retenção o montante equivalente a 25% das parcelas já adimplidas, sendo tal valor, no entendimento da Ministra, suficiente para indenizar o construtor por eventuais despesas gerais e pelo rompimento unilateral ou inadimplemento do adquirente.
Ainda, discorre a Ministra:
“[…] Referido percentual possui natureza indenizatória e cominatória, de forma que abrange, portanto, de uma só vez, todos os valores que devem ser ressarcidos ao vendedor pela extinção do contrato por culpa do consumidor e, ainda, um reforço da garantia de que o pacto deve ser cumprido em sua integralidade. […]”.
Por fim, o acórdão é finalizado com a explanação de que, mesmo havendo tese repetitiva (Tema 938/STJ, REsp 1.599.511/SP) afirmando a validade da cláusula contratual que transfere ao comprador a obrigação quanto ao pagamento da comissão de corretagem, trata-se esse de despesa administrativa da vendedora, devendo ser devolvido integralmente na hipótese de desfazimento do contrato por culpa da vendedora e considerado abrangido pelo percentual de 25% de retenção na culpa do comprador, portanto, no referido percentual estabelecido já está abrangida a quantia paga a título de comissão de corretagem.
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FERNANDA MIRANDA é advogada da equipe Contenciosa e Métodos Resolutivos de controvérsias do Assis e Mendes Sociedade de Advogados.