por Assis e Mendes | dez 29, 2020 | Tecnologia
No nosso quarto artigo sobre o tema e‑sports vamos adentrar em dos assuntos mais polêmicos que acompanham o tema: e‑Sports são Esportes? Não há consenso sobre a resposta, existindo diversos posicionamentos de juristas, proprietários de e‑Teams, cyber atletas, desenvolvedoras de jogos e até mesmo um projeto de lei para tratar sobre o assunto.
Toda polêmica gira em torno de (i) reconhecer a prática do e‑sports como um esporte tradicional e, consequentemente, ser vinculado a Lei Pelé, (ii) classificá-lo em uma categoria diferente de esporte, sendo necessário a criação de uma regulamentação específica ou (iii) não regulamentar a questão de nenhuma forma, pois já há normas brasileiras suficientes que poderiam ser utilizadas para dirimir qualquer controvérsia (Código Civil, CLT, Lei de Propriedade Intelectual e a Lei Pelé).
Mas de onde surgiu essa polêmica? Essa questão existe pois, ao contrário de esportes tradicionais que não tem um proprietário, como futebol, vôlei, basquete, dentre outros, sendo sua prática livre, a prática do e‑sports só é possível em decorrência da utilização de jogos e plataformas que são produzidos e de propriedade de empresas de tecnologia, não podendo ser utilizado sem a devida licença, seja ela gratuita ou paga, sob pena de violação de direitos de propriedade intelectual.
Esta falta de liberalidade na prática do e‑sports em decorrência das regras do jogo serem inseridas e decididas unicamente pelas desenvolvedoras, bem como a necessidade da concessão de uma licença de uso deste jogo em campeonatos, tiraria, em tese, a possibilidade de vincular a prática do e‑sports ao de um esporte comum, bem como de ser aplicada a Lei Pelé, já que referida Lei tem como um dos princípios a liberdade na prática do desporto.
Visando tentar reconhecer o e‑sports como um esporte, alguns projetos de lei foram apresentados, sendo os principais o PL nº 7.747/2017, que visa criar uma nova modalidade de esporte e vincular o e‑sports à Lei Pelé e o PL nº 383/2017 que visa regulamentar o e‑sports prevendo: (i) a definição do que é o esporte eletrônico, (ii) o praticante como atleta, (iii) a sua prática de forma livre e por fim, de forma polêmica, (iv) a exclusão da qualidade de esporte eletrônico os jogos com conteúdo violento, sexual ou que propaguem mensagem de ódio, preconceito, discriminação ou façam apologia ao uso de drogas.
Referidos projetos de lei não foram bem recebidos pelas desenvolvedoras dos jogos, juristas e cyber Atletas, já que são simplistas no seu teor, não levaram em consideração toda a complexidade envolvida no tema, bem como não realizaram debates sobre o assunto com toda as partes interessadas, razão pela qual referidos projetos se encontram em Plenário para discussão.
Na nossa visão, a polêmica de verdade não está na questão de reconhecer o e‑sports como esporte, pois o entendimento de que sua prática é um esporte parece ser unanimidade entre todas as partes e em diversos países do Mundo, sendo inclusive cogitado sua inclusão futura nos Jogos Olímpicos .
A polêmica está em criar uma regulamentação específica, vinculá-lo a uma lei já vigente (Lei Pelé) ou não fazer nada. Fato é que a falta de uma regulamentação específica faz com que decisões divergentes comecem a ser proferidas por tribunais, principalmente nos que diz respeito aos direitos trabalhistas dos cyber atletas (aplica-se a Lei Pelé ou somente a CLT?).
No que concerne a liberalidade na prática do e‑sports ou na propriedade dos jogos por um desenvolvedor, não vemos a tentativa do legislador de fazer com que os desenvolvedores percam seus direitos de propriedade intelectual. A expressão livre ou liberdade utilizada na Lei Pelé ou nos projetos de lei não se referem à questão de propriedade dos jogos, mas sim na possibilidade de que toda e qualquer pessoa possa praticar referido esporte eletrônico desde que, claro, tenha as referidas autorizações dos desenvolvedores dos jogos.
Fato que não pode ser aceito é a exclusão do reconhecimento como e‑sports dos jogos que tenham conteúdo violento, sexual ou que propaguem mensagem de ódio, preconceito, discriminação ou façam apologia ao uso de drogas. Embora haja estudos em andamento quanto a influência destes jogos no comportamento das pessoas, sua exclusão como e‑sports criaria um limbo jurídico quanto aos direitos dos atletas que o praticam, bem como outros problemas com os desenvolvedores, que investem há anos no desenvolvimento deste tipos de jogo, e o e‑teams, que investem continuamente na formação de cyber atletas dedicados a jogos com este conteúdo.
Como se nota, o tema está longe de ser esgotado, mas nos parece mais assertiva a criação de uma regulamentação própria para o e‑sports a incluí-la dentro de uma norma já existente (Lei Pelé). No entanto, a falta de regulamentação faz com que decisões divergentes sejam tomadas por diversas organizações e e‑Teams, criando insegurança jurídica e riscos para toda a cadeia envolvida na prática dos esportes eletrônicos.
por Assis e Mendes | nov 26, 2020 | Não categorizado, Trabalhista
Na nossa série de artigos sobre e‑sports vimos algumas fragilidades nos contratos celebrados com cyber atletas, bem como dicas de como estruturar a cessão do direito de uso de imagem destes atletas. Nesse artigo, vamos abordar as 3 principais cláusulas que não podem faltar nos contratos firmados com estes atletas.
- Streaming
É comum verificarmos nos contratos celebrados com estes atletas a obrigatoriedade de realização de uma quantidade mínima de horas ao vivo através de plataformas online (twitch) vinculadas ao time que representam. Ocorre que com a popularidade destas plataformas muitos destes atletas se tornam verdadeiros influenciadores digitais e acabam por realizar streaming por vontade própria e fora de horários dos treinos.
Portanto, este é um ponto de atenção que os times devem prever nos contratos, alertando sobre a diferença do streaming realizado vinculado ao time, que deve seguir condições mínimas (vestimenta do clube, fazer propaganda de algum patrocinador do clube, entre outros) do streaming realizado por livre arbítrio.
No streaming realizado de forma livre, apesar de não vinculado ao clube, o jogador deve se atentar a não ter comportamentos divergentes com a postura que dele se espera, pois sua imagem está vinculada a uma instituição maior, não devendo ter um comportamento discriminatório ou que afronte os bons costumes, as leis cíveis e criminais.
- Patrocínio
Em decorrência da cessão do direito de uso de imagem ao clube, o cyber atleta deverá em alguns momentos realizar a demonstração ou falar sobre produtos de patrocinadores ou do próprio time, recebendo ou não uma quantia pré-definida em contrato que, se definida, não pode passar de 40% da remuneração do jogador.
No entanto, como explicamos acima, estes jogadores muitas vezes conseguem patrocinadores próprios em decorrência da posição de influenciadores digitais e da realização de streaming, recebendo quantias muitas vezes maiores que os próprios salários.
Em decorrência desta possibilidade de patrocínios simultâneos, deve haver uma cláusula estabelecendo as regras em caso de conflito entre as marcas, indicando uma ordem de prevalência e evitando assim possíveis problemas com os patrocinadores.
- Multas
A previsão de multas neste tipo de vínculo entre cyber atletas e times de e‑sports se assemelham muito às do futebol e basicamente se dividem em 03:
Indenizatória — Está ligada ao desfazimento do contrato pelo cyber atleta para jogar em outro time de e‑sports. Nestes casos a multa, se aplicada a Lei Pelé, pode chegar a até 400 vezes o salário do empregado.
Compensatória — Está ligada ao desfazimento do contrato por qualquer das partes, de maneira imotivada, devendo a parte que propôs a rescisão pagar à outra uma multa equivalente a 50% do que o cyber atleta receberia até o final do contrato.
Geral — Por fim, outra multa que deve ser prevista em contrato se relaciona ao descumprimento pelo cyber atleta das normas estipuladas pelos Organizadores dos eventos, bem como por conduta antidesportiva nas competições (xingamentos, xenofobia, etc). Além da multa, o cyber atleta deve ficar responsável por todo e qualquer prejuízo ocasionado ao clube em decorrência do comportamento indesejado.
Assim, recomendamos que os contratos celebrados com os cyber atletas prevejam as cláusulas aqui mencionadas, além de diversas outras previsões importantes com as quais a equipe do Assis e Mendes Advogados está pronta para auxiliar. O contato pode ser feito pelo site.
por Assis e Mendes | out 21, 2020 | Trabalhista
A prática de e‑sports está crescendo vertiginosamente e já soma mais de 450 milhões de adeptos ao redor do mundo. Só no Brasil, já são mais de 21 milhões de praticantes. No entanto, o crescimento dessa modalidade trouxe alguns problemas e discussões para os cyber atletas e clubes que agora questionam se há, ou não, necessidade de uma norma regulamentadora para este novo tipo de esporte.
O interesse em esportes eletrônicos cresceu tanto que campeonatos se espalharam por todo mundo, sendo as disputas dos jogos de Dota 2, League of Legends (LOL) e Fortnite os mais famosos e com premiação mais elevada.
Em 2019, a Valve, organizadora do campeonato The International 9 Dota 2, pagou um prêmio para os jogadores no total de US$ 34.330.069,00 (R$ 195 milhões). Já a Epic Games, organizadora da Copa do Mundo de Fortnite, pagou uma premiação de US$ 33.637.500 (R$ 191 milhões). Atualmente os e‑sports são praticados por cyber atletas que se organizam (criando ou sendo contratados) dentro de clubes de esportes eletrônicos, onde são submetidos a uma rotina exaustiva de treinamento e preparação para as competições.
Para acompanhar e avaliar a performance e rendimento deles, os clubes chegam a disponibilizar espaços para morar e treinar (Gaming House) ou apenas treinar (Gaming Office). Costume semelhante ao que ocorre com jogadores profissionais de futebol, principalmente das categorias de base.
Fragilidade nos contratos
Diante da boa performance, os clubes realizam a contratação dos atletas através de contratos de patrocínio, prestação de serviço ou até inclusão deles no contrato social do clube. Tudo isso para evitar um possível reconhecimento de vínculo empregatício com base na legislação trabalhista.
Mas, mesmo que esses contratos especifiquem coisas como treinamento, participação nas competições e formas de pagamento, ainda é possível notar uma fragilidade do modelo de contratação que pode gerar passivos trabalhistas gigantescos para os clubes. Isso porque, apesar do documento dizer o contrário, a relação dos clubes com os cyber atletas preenche todos os requisitos necessários para o reconhecimento de um vínculo trabalhista: subordinação, pessoalidade, onerosidade e não eventualidade.
A subordinação é clara no momento que o clube determina as atividades e obrigações que devem ser seguidas, tirando a autonomia do profissional na decisão. Já a pessoalidade está atrelada às qualidade técnicas e características de um determinado jogador, que não pode ser substituído por outra pessoa.
Por fim, a onerosidade e não eventualidade estão atreladas ao pagamento de valores fixos e/ou variáveis ao atleta, bem como a maneira não esporádica em que se sucedem os treinos.
Consequências jurídicas
Celebrar contratos com outras nomenclaturas, mas que preencham os requisitos citados acima, não é lá a melhor escolha, sendo só uma questão de tempo até a condenação em um processo trabalhista. Tal fato é tão verdadeiro que já vemos os tribunais reconhecendo o vínculo empregatício entre Clube e Cyber Atletas, como no caso da paiN Gaming e Carlos “Nappon”, com decisão favorável para assinatura de sua carteira de trabalho e pagamento de 60 mil reais em verbas rescisórias.
Ademais, a Associação Brasileira de Clubes de E‑sports (ABCDE) estabeleceu acordo com a Riot Games do Brasil para que todas as instituições participantes do Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLoL) assinem a carteira de seus atletas, seguindo a CLT e a Lei Pelé. Sim! A Lei Pelé também deve ser observada nos contratos celebrados, já que na falta de uma norma regulamentadora, entende-se que a forma como as equipes se estruturam, as rotinas de treino dos jogadores e os campeonatos que são disputados se assemelha ao do futebol.
Dessa forma, cláusulas que tratam da rotina de treinos, de indenizações compensatórias por quebra de contrato antecipada, indenizatórias para jogar em outro clube, direito de imagem, multas em geral e até mesmo direito de arena devem ser pensadas e estruturadas no Contrato Especial de Trabalho Desportivo.
Portanto, é notório o movimento em torno do reconhecimento de tal modalidade como esporte e a aplicação da CLT e da Lei Pelé aos contratos com os cyber atletas. Por isso, cabe aos clubes revisarem o quanto antes os atuais contratos para estarem em conformidade com a legislação e evitarem condenações judiciais.