Reforma Tributária e o Setor de Games: entenda o impacto da EC 132/2023 para estúdios, publishers e serviços digitais

28 de maio de 2025

O setor de games movimenta mais de R$ 12 bilhões no Brasil, conforme dados da PwC (2023), e envolve desde estúdios independentes até grandes publishers internacionais, passando por prestadores de serviços em nuvem, middleware e marketplaces digitais. A promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023 — que instituiu o novo sistema tributário brasileiro — inaugura um cenário de mudanças significativas para esse ecossistema. O objetivo deste artigo é analisar, de forma técnica e aplicada, os impactos esperados da Reforma Tributária sobre o setor de games, abordando aspectos como a incidência do IBS e CBS, a tributação de royalties, a definição do local do consumo e os regimes especiais voltados à exportação.

Breve panorama da Reforma Tributária

A Reforma Tributária brasileira, estruturada pela Emenda Constitucional nº 132/2023, substitui cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) por dois novos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) de competência federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) de competência estadual e municipal. Ambos terão base ampla, regime não cumulativo e incidirão sobre bens e serviços digitais ou físicos — incluindo licenças de software, hospedagem em servidores, assinaturas recorrentes e comercialização de itens virtuais.

Local do consumo x local da prestação

Um dos pilares do novo modelo é o princípio da tributação no destino, previsto no art. 156-A da Constituição Federal com redação dada pela EC 132/2023. Isso significa que a incidência do IBS ocorrerá no local do consumidor final — e não mais no domicílio do prestador, como se aplicava ao ISS para serviços.

Impactos para o setor de games:

  • Estúdios e publishers que vendem digitalmente deverão mapear a localização do jogador final para recolhimento correto do IBS.

  • Marketplaces como Steam, Epic Games Store ou PlayStation Store, ao atuarem como intermediários, poderão ser responsabilizados solidariamente, conforme regulamentação futura (PLP nº 68/2024).

  • Serviços recorrentes (ex: assinaturas) precisarão de ajustes contratuais para prever cláusulas de alocação tributária, uma vez que a multiplicidade de destinos altera significativamente a apuração do tributo.

Incidência de IBS e CBS sobre royalties, servidores e assets

A comercialização ou licenciamento de ativos intangíveis como trilhas sonoras, engines gráficas, personagens e códigos é comum na indústria de games. No novo regime, essas operações serão consideradas prestação de serviços digitais e, portanto, tributadas pelo IBS e CBS — com alíquota total estimada entre 25% e 27,5%.

a) Royalties

Embora o STF tenha firmado entendimento de que royalties não configuram prestação de serviços (RE 651.703/PR), a Reforma define como “serviço” qualquer cessão de direitos, mesmo que de natureza obrigacional (EC 132/2023, art. 156-A, §1º). Assim, o pagamento de royalties por uso de IPs, licenças ou engines deve ser tributado.

b) Servidores e cloud computing

A utilização de servidores dedicados, hospedagem de jogos multiplayer, e serviços de matchmaking configura prestação de serviço digital e será tributada integralmente. A questão da territorialidade volta à tona: se a nuvem estiver hospedada no exterior, pode haver necessidade de recolher CBS/IBS via responsabilidade tributária do contratante brasileiro.

c) Assets digitais e microtransações

Itens cosméticos, personagens adicionais e DLCs adquiridos dentro dos jogos passam a ser considerados bens ou serviços para fins fiscais. A ausência de regulamentação específica pode gerar interpretação extensiva e autuações fiscais, caso os Termos de Uso não delimitem corretamente o tipo de operação.

Regimes especiais e exportação de serviços

A Reforma prevê a criação de regimes especiais para exportações de serviços e bens digitais, que deverão seguir o princípio da não incidência do IBS e CBS sobre exportações (art. 149-B, §1º da Constituição).

Oportunidades para estúdios brasileiros:

  • Isenção tributária na exportação de licenças para publishers estrangeiros.

  • Créditos acumulados de IBS e CBS, que poderão ser utilizados para abater tributos internos.

  • Planejamento tributário via contratos internacionais, com cláusulas que assegurem a entrega fora do território nacional e precificação em moeda forte (dólar ou euro).

Atenção necessária:

  • Exportações de serviços são não tributadas, mas exigem documentação fiscal completa, como contratos em língua estrangeira com tradução juramentada, comprovantes de pagamento e invoices adequadas.

  • Para empresas em regimes do Simples Nacional, há necessidade de atenção redobrada, pois os benefícios podem não se aplicar automaticamente.

  1. Recomendações práticas
TemaRecomendações Jurídicas
Comercialização de gamesAdequar os Termos de Uso para prever cláusulas de repasse e localização do consumidor.
Prestação de serviços digitaisVerificar territorialidade e possíveis responsabilidades acessórias com IBS.
Licenciamento de IPsFormalizar contratos com cláusulas tributárias e definição de natureza jurídica.
Exportação de ativos digitaisAdotar política contratual de compliance fiscal e documentar cada transação.

 

Conclusão

A Reforma Tributária trará um novo paradigma ao setor de games. Embora o objetivo de simplificação seja bem-vindo, os impactos práticos exigem atenção imediata de estúdios, desenvolvedores, publishers e prestadores de serviços digitais. A adequação tributária e contratual pode não apenas mitigar riscos, mas também abrir oportunidades estratégicas no Brasil e no exterior.

 

 

Sobre o Autor

Henry Magnus é advogado especializado em Direito Contratual, Direito do Trabalho, Direito Empresarial, Direito Societário e E-Sports. No Assis e Mendes, presta assessoria jurídica para empresas de diversos setores, contribuindo com sua expertise para garantir segurança jurídica e estratégias eficientes para os clientes.

 

 

 

 

 

 

Referências
BRASIL. Constituição Federal.
BRASIL. Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023.
GOMES, Misabel Abreu Machado Derzi. Reforma Tributária e Serviços Digitais. Revista Dialética de Direito Tributário, 2024.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 651703/PR.
PwC Brasil. Entertainment and Media Outlook 2023–2027.
P
LP nº 68/2024. Câmara dos Deputados.
BICALHO, Leonardo. Tributação de bens digitais e os desafios da neutralidade tecnológica. IBET, 2023.

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