O setor de games movimenta mais de R$ 12 bilhões no Brasil, conforme dados da PwC (2023), e envolve desde estúdios independentes até grandes publishers internacionais, passando por prestadores de serviços em nuvem, middleware e marketplaces digitais. A promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023 — que instituiu o novo sistema tributário brasileiro — inaugura um cenário de mudanças significativas para esse ecossistema. O objetivo deste artigo é analisar, de forma técnica e aplicada, os impactos esperados da Reforma Tributária sobre o setor de games, abordando aspectos como a incidência do IBS e CBS, a tributação de royalties, a definição do local do consumo e os regimes especiais voltados à exportação.
Breve panorama da Reforma Tributária
A Reforma Tributária brasileira, estruturada pela Emenda Constitucional nº 132/2023, substitui cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) por dois novos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) de competência federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) de competência estadual e municipal. Ambos terão base ampla, regime não cumulativo e incidirão sobre bens e serviços digitais ou físicos — incluindo licenças de software, hospedagem em servidores, assinaturas recorrentes e comercialização de itens virtuais.
Local do consumo x local da prestação
Um dos pilares do novo modelo é o princípio da tributação no destino, previsto no art. 156-A da Constituição Federal com redação dada pela EC 132/2023. Isso significa que a incidência do IBS ocorrerá no local do consumidor final — e não mais no domicílio do prestador, como se aplicava ao ISS para serviços.
Impactos para o setor de games:
- Estúdios e publishers que vendem digitalmente deverão mapear a localização do jogador final para recolhimento correto do IBS.
- Marketplaces como Steam, Epic Games Store ou PlayStation Store, ao atuarem como intermediários, poderão ser responsabilizados solidariamente, conforme regulamentação futura (PLP nº 68/2024).
- Serviços recorrentes (ex: assinaturas) precisarão de ajustes contratuais para prever cláusulas de alocação tributária, uma vez que a multiplicidade de destinos altera significativamente a apuração do tributo.
Incidência de IBS e CBS sobre royalties, servidores e assets
A comercialização ou licenciamento de ativos intangíveis como trilhas sonoras, engines gráficas, personagens e códigos é comum na indústria de games. No novo regime, essas operações serão consideradas prestação de serviços digitais e, portanto, tributadas pelo IBS e CBS — com alíquota total estimada entre 25% e 27,5%.
a) Royalties
Embora o STF tenha firmado entendimento de que royalties não configuram prestação de serviços (RE 651.703/PR), a Reforma define como “serviço” qualquer cessão de direitos, mesmo que de natureza obrigacional (EC 132/2023, art. 156-A, §1º). Assim, o pagamento de royalties por uso de IPs, licenças ou engines deve ser tributado.
b) Servidores e cloud computing
A utilização de servidores dedicados, hospedagem de jogos multiplayer, e serviços de matchmaking configura prestação de serviço digital e será tributada integralmente. A questão da territorialidade volta à tona: se a nuvem estiver hospedada no exterior, pode haver necessidade de recolher CBS/IBS via responsabilidade tributária do contratante brasileiro.
c) Assets digitais e microtransações
Itens cosméticos, personagens adicionais e DLCs adquiridos dentro dos jogos passam a ser considerados bens ou serviços para fins fiscais. A ausência de regulamentação específica pode gerar interpretação extensiva e autuações fiscais, caso os Termos de Uso não delimitem corretamente o tipo de operação.
Regimes especiais e exportação de serviços
A Reforma prevê a criação de regimes especiais para exportações de serviços e bens digitais, que deverão seguir o princípio da não incidência do IBS e CBS sobre exportações (art. 149-B, §1º da Constituição).
Oportunidades para estúdios brasileiros:
- Isenção tributária na exportação de licenças para publishers estrangeiros.
- Créditos acumulados de IBS e CBS, que poderão ser utilizados para abater tributos internos.
- Planejamento tributário via contratos internacionais, com cláusulas que assegurem a entrega fora do território nacional e precificação em moeda forte (dólar ou euro).
Atenção necessária:
- Exportações de serviços são não tributadas, mas exigem documentação fiscal completa, como contratos em língua estrangeira com tradução juramentada, comprovantes de pagamento e invoices adequadas.
- Para empresas em regimes do Simples Nacional, há necessidade de atenção redobrada, pois os benefícios podem não se aplicar automaticamente.
- Recomendações práticas
Tema | Recomendações Jurídicas |
Comercialização de games | Adequar os Termos de Uso para prever cláusulas de repasse e localização do consumidor. |
Prestação de serviços digitais | Verificar territorialidade e possíveis responsabilidades acessórias com IBS. |
Licenciamento de IPs | Formalizar contratos com cláusulas tributárias e definição de natureza jurídica. |
Exportação de ativos digitais | Adotar política contratual de compliance fiscal e documentar cada transação. |
Conclusão
A Reforma Tributária trará um novo paradigma ao setor de games. Embora o objetivo de simplificação seja bem-vindo, os impactos práticos exigem atenção imediata de estúdios, desenvolvedores, publishers e prestadores de serviços digitais. A adequação tributária e contratual pode não apenas mitigar riscos, mas também abrir oportunidades estratégicas no Brasil e no exterior.
Sobre o Autor
Henry Magnus é advogado especializado em Direito Contratual, Direito do Trabalho, Direito Empresarial, Direito Societário e E-Sports. No Assis e Mendes, presta assessoria jurídica para empresas de diversos setores, contribuindo com sua expertise para garantir segurança jurídica e estratégias eficientes para os clientes.