PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE NA RELAÇÃO FAMILIAR

10 de junho de 2021

Afeto não é sinônimo de amor. 

Afeto significa interação e/ou ligação entre duas ou mais pessoas, podendo ter valor positivo, ou até mesmo negativo. A afeição de cunho positivo, por óbvio, é o amor; o de valor negativo, é o ódio. Não há como não fazer menção a essas duas formas de afeto, visto que ambas estão presentes em todas as relações familiares. 

 

Não restam dúvidas de que a afeição constitui princípio jurídico a ser aplicado nas relações familiares. Alega-se que o afeto tem valor jurídico, e nesse sentido foi alavancado como condição de verdadeiro princípio geral. 

 

Conforme pondera a jus-psicanalista Giselle Câmara Groeninga:

 

“[…] o papel dado à subjetividade e à afetividade tem sido crescente no Direito de Família, que não mais pode excluir de suas considerações a qualidade dos vínculos existentes entre os membros de uma família, de forma que possa buscar a necessária objetividade na subjetividade inerente às relações. Cada vez mais se dá importância ao afeto nas considerações das relações familiares; aliás, um outro princípio do Direito de Família é o da afetividade.”

 

Assim, embora não haja uma previsão legal em relação à afetividade, percebe-se que é possível demonstrar que o afeto é uma dos princípios vigentes no ordenamento jurídico brasileiro. 

 

A origem dos princípios ocorreu por meio de interpretação doutrinária das normas, dos costumes, da jurisprudência, dos aspectos políticos, econômicos, sociais e da própria doutrina.

 

Em seu livro “Introdução à Ciência do Direito”, José de Oliveira Ascensão expôs que “[…] os princípios são como grandes orientações que se depreendem, não apenas do complexo legal, mas de toda a ordem jurídica.”

 

Os princípios dão base e estrutura para o sistema legal, gerando consequências concretas por meio de sua função marcante diante dos problemas sociais, não havendo dúvidas de que a afetividade faz parte do Direito Contemporâneo, provocando amplas mudanças na maneira como a família brasileira é vista.

 

Há que se ressaltar importantes consequências deste princípio no direito de família nos últimos anos, como o fato de que o princípio da afetividade contribuiu para que o Judiciário reconhecesse a união estável homoafetiva como entidade familiar. 

 

Até a aceitação da união homoafetiva como família, passou-se por um longo processo histórico e cultural, iniciado pela negação total dos direitos dessa classe, posteriormente reconhecendo-a como sociedade de fato e chegando, afinal, a ser reconhecida como instituição familiar. Assim, o direito brasileiro passou, enfim, a dar o tratamento de união estável também às uniões de pessoas do mesmo sexo, compreendendo todos os direitos já concedidos aos casais heterossexuais, em razão da memorável decisão do Supremo Tribunal Federal de 05 de maio de 2011, registrado no Informativo n.º 625.

 

Destaca-se, também, o surgimento da reparação por danos em razão do abandono afetivo. Em decisão proferida em 24/04/2012, no REsp 1.159.242/SP, a Relatora Ministra Nancy Andrighi admitiu a reparação civil por abandono afetivo.  No relatório, a Ministra deixou demonstrado que, diante de uma obrigação inescusável dos pais em prestar auxílio moral, material e psicológico aos filhos, na falta dessa prestação o dano moral estaria presente. Colocando o “cuidado” como valor jurídico, a Ministra concluiu pelo ilícito e culpa do pai na prática no abandono afetivo, “amar é faculdade, cuidar é dever”, frase essa que ficou conhecida e foi frequentemente repetida nos meios jurídicos e sociais. 

 

Por fim, menciona-se ainda, como consequência do princípio da afetividade, o reconhecimento da parentalidade socioafetiva como forma de parentesco, prevista no artigo 1.593 do Código Civil. 

 

O jurista João Baptista Villela publicou um artigo em 1.979 intitulado “Desbiologização da paternidade”, concluindo que o vínculo da parentalidade é maior do que o vínculo de sangue ou mero dado biológico, sendo, sobretudo, um dado cultural, consagrado pela máxima de que o pai é aquele que cria. 

 

A jurisprudência passou a entender nesse sentido, e a considerar a posse de estado de filho para determinar a filiação, juntamente aos dados biológicos e registrais. Em alguns julgados, já se entendeu, inclusive, que é indissolúvel o vínculo criado entre aquele que registrou filho de outrem por iniciativa própria, sem qualquer vício.

 

FERNANDA MIRANDA é advogada da equipe Contenciosa e Métodos Resolutivos de controvérsias do Assis e Mendes Sociedade de Advogados.

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