Os contratos de tecnologia são instrumentos legais que regulam a relação entre detentores de direitos sobre marcas, patentes, tecnologias, softwares, desenhos industriais e outros ativos intangíveis, e as partes interessadas em explorar comercialmente esses bens. O escopo de aplicação é vasto, indo desde softwares e sistemas operacionais até produtos físicos como equipamentos médicos e eletrônicos.
Abaixo, listamos alguns exemplos de contratos de tecnologia:
- Contrato de Licenciamento: Estabelece os direitos e condições de uso de uma tecnologia, como licenças de software, podendo ser exclusivas ou não.
- Contrato de Cessão de Tecnologia: Transfere a titularidade de um direito de propriedade intelectual, como a propriedade de um programa ou patente.
- Contrato de Fornecimento de Tecnologia: Permite que o contratante utilize métodos ou know-how desenvolvidos por outra empresa, mesmo sem direitos de propriedade industrial envolvidos.
- Contratos de Cloud Computing: Regulam o uso de serviços de nuvem, como armazenamento e acesso remoto a dados.
- Contratos de Software como Serviço (SaaS): Definem a prestação de serviços baseados em software, incluindo níveis de serviço (SLAs), suporte técnico e atualizações contínuas.
Os contratos de tecnologia combinam cláusulas padrão, como a definição do objeto do contrato, prazo de vigência, preço, resolução contratual e penalidades aplicáveis, com cláusulas específicas que refletem as particularidades do setor tecnológico. Entre essas cláusulas específicas, destacam-se disposições sobre propriedade intelectual, detalhamento das especificações técnicas, níveis de serviço (SLAs), proteção de dados e confidencialidade, por exemplo.
Embora os contratos de tecnologia sejam cuidadosamente elaborados, sua complexidade e especificidades podem gerar disputas entre as partes envolvidas. Abaixo destacamos alguns pontos de atenção, que podem se tornar litigiosos entre as partes e como o judiciário tem entendido sobre estas matérias.
- Divergências sobre as especificações técnicas: Empresas de tecnologia frequentemente enfrentam ações judiciais envolvendo pedidos de indenização e discussões sobre rescisões contratuais, muitas vezes com alegações de falhas, como instabilidades ou indisponibilidades de software. Nessas situações, é crucial demonstrar a ausência de falhas ou que as indisponibilidades respeitaram os limites previstos na SLA contratual. Com essas provas, as decisões costumam ser favoráveis às empresas. Confira, a seguir, um exemplo de julgado:
“APELAÇÃO. Ação que visa a rescisão do contrato e a indenização por danos materiais e morais. Falha na prestação de serviços. Contrato de licenciamento de uso de software. Sentença de improcedência dos pedidos. Apelo da demandante. Aplicação do CDC. Possibilidade. Teoria finalista mitigada. Vulnerabilidade técnica da autora. Ausência de demonstração de repetidas falhas no sistema/software da ré que inviabilizaram a continuidade do negócio pela autora. Sentença mantida. RECURSO NÃO PROVIDO.” (TJSP. Acórdão. Processo nº 1023609-71.2019.8.26.0602;. Relator (a): Carmen Lucia da Silva; . Data do julgamento: 30/01/2024.) Grifo nosso.
- Uso indevido de propriedade intelectual: Casos em que uma das partes utiliza tecnologia fora dos limites estabelecidos no contrato, ou violando licenças e direitos. Por exemplo, uma empresa que desenvolve um software, pode ingressar com uma ação no judiciário, buscando reparações pela utilização indevida de seu software, sem o pagamento das respectivas licenças. Neste caso, o judiciário tem entendido pela procedência da ação, com a condenação da parte infringente, à indenização pela violação do direito autoral:
“PROPRIEDADE INTELECTUAL – Utilização de softwares da autora, pela ré, sem o pagamento das respectivas licenças – Violação de direito autoral configurada – Ação julgada procedente – Apelo da autora que pretende majoração da indenização para 10 vezes o preço de aquisição do software – Cerceamento de defesa que não ocorreu – Questão de mérito que não é controvertida já que ré admite o uso irregular restando a discussão no montante a ser indenizado – Valor fixado pelo juízo, 5 vezes o aluguel mensal, pela utilização do software, que se mostra adequado ante a particularidade do caso – Software que foi baixado por um único funcionário, sem permissão da ré, permanecendo por 8 dias até ser desativado pela empresa – Correção monetária deve retroagir ao evento porquanto o juiz tomou como base o valor do software naquela data – Modificação parcial da sentença somente para que a correção monetária incida desde a data do evento – Apelo parcialmente provido.” (TJSP. Acórdão. Processo nº 1000910-31.2019.8.26.0394;. Relator (a): Silvério Da Silva; . Data do julgamento: 25/08/2021.) Grifo nosso.
- Questionamentos sobre não conformidade com SLAs e disputas sobre rescisão: Empresas de tecnologia podem enfrentar processos judiciais em que clientes contestem a rescisão contratual e penalidades aplicadas, e aleguem extrapolação dos limites de SLA. Para uma defesa eficaz, é essencial comprovar a conformidade com os prazos e atendimentos previstos no contrato, bem como a abertura e resolução de chamados dentro dos prazos estabelecidos. O Judiciário valoriza essas evidências ao proferir decisões favoráveis às empresas. No exemplo a seguir, ficou comprovado o cumprimento do SLA e que a rescisão unilateral promovida pela autora foi imotivada, permitindo à empresa de tecnologia cobrar as multas contratuais devidas.
“xxxx. ajuizou ação de rescisão contratual c/c pedido de antecipação de tutela parcial e aplicação de multa em face de xxxx, alegando, em síntese, ter firmado “contrato de concessão de licença e prestação de serviços de software” com a requerida aos 20.09.2017. Ocorre que a requerida deixou de atender às solicitações da requerente para correções de erros no sistema, motivo pela qual solicitou a rescisão contratual em março de 2019. Todavia, a requerida aplicou multa contratual de rescisão antecipada, bem como inscreveu o nome da requerente nos órgãos de proteção ao crédito nos valores de R$ 25.069,28. (…) Aduz inexigibilidade da cobrança da multa, pois a cláusula 10.1.2. do contrato dispõe sobre a inexigibilidade de cobrança de multa por rescisão diante do não cumprimento do Service Level Agreement (SLA), definido na cláusula 5.3.1., por período superior a 3 (três) meses, o que teria sido o caso. (…) Portanto, a conduta da requerida não gerou direito à rescisão unilateral pela autora, vez que não houve violação da cláusula 10.1.2. “Em caso de não cumprimento do SLA proposto (…) Consequentemente, ao rescindir unilateralmente contrato por tempo determinado, a autora gerou prejuízos à requerida, quebrando a expectativa de lucro, a incidir na cláusula 10.1.1. do contrato firmado (…) Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a demanda proposta por xxxx em face de xxxx, revogando a tutela provisória concedida às fls. 276/277. Assim, julgo extinto o processo, com resolução de mérito, na forma do artigo 487, inciso I do CPC. Considerando a sucumbência, arcará a autora com as custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios que fixo em 10% do valor da causa com fundamento no art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil. P.R.I.” (Sentença; 32ª Vara do Foro Central de São Paulo, processo nº 1058486-88.2019.8.26.0100; dje 03/10/2019), Grifo nosso.
Empresas de tecnologia podem enfrentar litígios inesperados envolvendo contratos. Estar por dentro de como o judiciário entende as questões tecnológicas também fortalece as empresas e auxilia na tomada de decisões. Devido à complexidade e às particularidades do setor, contar com um escritório especializado é fundamental para proteger os interesses do negócio.
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Natalia Queiróz Mulati Cassim é advogada da equipe de Contenciosa e Métodos Resolutivos de Controvérsias do Assis e Mendes. Pós-graduada em Direito Civil, Processo Civil e Direito Empresarial e Pós-Graduanda em Direito Digital.