As principais mudanças trazidas pela nova Lei de licitações e contratos administrativos

3 de outubro de 2022

A grande promessa e objetivo da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021) é tornar a dinâmica das contratações públicas de bens e serviços no Brasil mais rápidas, transparentes e eficientes. Espera-se que ela diminua custos operacionais, uma vez que as licitações eletrônicas se tornarão regra ao invés de exceção.

Ela estabelece normas gerais de licitação e contratação para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (com exceção das empresas públicas, sociedades de economia mista e estatais regidas pela Lei 13.303/16), unificando em apenas um diploma legal as Leis de Licitação (Lei 8666/93), Pregão (Lei 10520/03) e Regime Diferenciado de Contratações Públicas (Lei 12462/11). 

Portanto, a nova lei substitui as leis anteriores e unifica todas as regras em apenas um diploma legal.

Sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em 1 de abril de 2021, com veto de 26 dispositivos, a lei entrou em vigor nesta mesma data, mas estabeleceu um período de 2 anos de vacatio para que as leis anteriores deixem de produzir efeitos e o sistema público e as empresas privadas possam se adequar aos novos dispositivos. 

Dessa forma, até 1 de abril de 2023, a administração pública poderá optar em seu edital, no aviso ou instrumento de contratação direta, se os contratos serão regidos pela nova lei ou pelas normas anteriores e vigentes até então, sendo vedada a aplicação combinada das leis.

Principais Alterações.

  • Novas Modalidades

Atualmente, a Lei de Licitação prevê diversas modalidades de licitação e modos de disputa (Convite, Tomada de Preço, Concorrência, Concurso e Leilão), assim como a lei do Pregão (presencial ou eletrônico) e o Regime Diferenciado de Contratação que não se trata de modalidade, mas utiliza modos de disputa (aberto, fechado ou combinado).

A nova lei deixou de definir a modalidade em razão do valor do objeto. Por essa razão, as modalidades de Tomada de Preços e Convite deixaram de existir. 

Por outro lado, as modalidades Concorrência e Pregão permaneceram e serão definidas em razão da complexidade do objeto. No caso do Pregão, só não será aplicado quando se tratar de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual e em obras e serviços de engenharia que não sejam considerados comuns.

O art. 28 da Nova Lei de Licitações estabelece como modalidades de licitação o Concurso, Leilão, Pregão, Concorrência e Diálogo Competitivo.

As duas primeiras modalidades não sofreram muitas mudanças relevantes, merecendo maior destaque as alterações referentes ao Pregão e a Concorrência, que ficaram bastante parecidas em seus procedimentos. 

O Pregão será a modalidade utilizada para a contratação de bens ou serviços comuns, ao passo que a Concorrência será aplicável para contratações de bens, serviços especiais e obras de engenharia.

Mas, a maior inovação de todas, e talvez a mais importante, foi a criação da modalidade do Diálogo Competitivo, inspirada na experiência estrangeira muito utilizada na União Europeia, que proporciona uma maior aproximação entre os entes público e privado dentro do processo de licitação.

Diálogo Competitivo 

Por definição, o Diálogo Competitivo pode ser entendido como a modalidade de licitação voltada para contratação de obras, serviços e compras em que a Administração Pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados mediante critérios objetivos, com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento dos diálogos.

Segundo o artigo 32 da nova Lei, o Diálogo competitivo fica restrito  às contratações em que (i) a administração vise contratar objeto que envolva inovação tecnológica ou técnica, impossibilidade de o órgão ou entidade ter sua necessidade satisfeita sem a adaptação de soluções disponíveis no mercado, ou impossibilidade de as especificações técnicas serem definidas com precisão suficiente pela administração; (ii) verifique a necessidade de definir e identificar os meios e as alternativas que possam satisfazer suas necessidades, com destaque para aspectos como solução técnica mais adequada, os requisitos técnicos aptos a concretizar a solução já definida e a estrutura jurídica ou financeira do contrato.  

Como se nota, esta modalidade pode permitir um maior desenvolvimento nas áreas da inovação tecnológica, já que é totalmente voltada à obras em que a inovação tecnológica seja um fator importante ou em que as necessidades técnicas do projeto não são satisfeitas com as opções que existem no mercado.

A modalidade é composta por duas fases, sendo a primeira denominada de  Diálogo, que é aproximação dos interessados para verificação de suas capacidades de contribuição com o projeto básico, para posteriormente apresentação de suas soluções projetos e etc., passando para a segunda fase, a Competitiva, onde os licitantes têm um prazo não inferior a 60 dias úteis para apresentarem suas propostas.

  • Valores de Dispensa

A Nova Lei de Licitações elevou os valores máximos em relação ao objeto da contratação que podem tornar a licitação dispensável. Assim, o artigo 75 da nova lei determinou que são dispensáveis as licitações para:

  • contratação que envolva valores inferiores a R$ 100.000,00 (cem mil reais), no caso de obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos automotores;
  • contratação que envolva valores inferiores a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), no caso de outros serviços e compras.

 

  • Valor de Referência Sigiloso

A nova lei estabeleceu que o orçamento estimado da contratação poderá ter caráter sigiloso, desde que justificado, sem prejuízo da divulgação do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração das propostas, sendo que, neste caso o sigilo não prevalecerá para os órgãos de controle interno e externo

A exceção para o sigilo se dá somente nas licitações que adotam o maior desconto como tipo de análise da proposta, já que, nesse caso, é necessário que as empresas ofereçam desconto sobre o valor previamente proposto pela Administração.

  • Modos de Disputa

A Nova Lei de Licitações também instituiu alguns modos de disputa para a etapa de julgamento da proposta, que são os modos abertos e fechados, que podem ser utilizados isolados ou conjuntamente.

Modo aberto: os licitantes deverão fazer a apresentação de suas propostas, cabendo a adoção de lances públicos e sucessivos, crescentes ou decrescentes. As prorrogações poderão variar conforme o definido no edital.

Modo fechado: As propostas feitas ficarão em sigilo até a data e hora designadas para que sejam divulgadas.

Modo aberto e fechado: A administração explica que neste modo, os licitantes, em um período fixo de tempo, dão os seus lances publicamente. Em seguida, há um outro período de tempo aleatório adicional sem prorrogação para que os licitantes ajustem suas propostas. 

Modo fechado e aberto: Este modo ocorre ao contrário do anterior, de forma que há uma primeira etapa de envio de lances que é fechada (lances não públicos). Em seguida, ocorre uma etapa em que os licitantes que ofereceram lances em percentual superior estabelecido ao menor lance tem a oportunidade de fazer ofertas de forma aberta (publicamente).

  • Garantia Contratual

A nova lei de licitações trouxe como novidade, no quesito de garantia contratual, a possibilidade de o edital exigir seguro garantia com cláusula de retomada, para os casos de contratação de obras e serviços de engenharia. Assim, em casos de inadimplemento contratual, caberá à seguradora concluir o objeto contratado (art. 102).

Trata-se de uma prática internacionalmente conhecida como step in right, que busca impor ao segurador a assunção da obrigação de entrega da obra ou serviço no caso de o contrato falhar.

É uma das inovações mais relevantes da Nova Lei, já que é difícil licitar obras e serviços de engenharia com execução incompleta.

Contudo, a ferramenta representará um custo considerável para a contratação, motivo pelo qual deve ser utilizada apenas em casos em que o risco de inadimplemento seja significativo ou represente dificuldades para a continuação do objeto contratual.

Além disso, também é importante ressaltar que o valor do seguro-garantia para obras de grande vulto ficou estabelecida em 30% do valor do contrato.

  • Licitações Internacionais

A Nova Lei de Licitações traz um capítulo específico para disciplinar as licitações que permitem concorrentes estrangeiros.

O artigo 52 manda que nas licitações de âmbito internacional, o edital deverá ajustar-se às diretrizes da política monetária e do comércio exterior e atender às exigências dos órgãos competentes.

Assim, algumas regras foram definidas:

  • Se o licitante poder orçar em moeda estrangeira, o mesmo deverá ser aplicado para o licitante nacional;
  • Mesmo que o licitante brasileiro apresente orçamento em moeda estrangeira, seu pagamento deverá ser feito em reais;
  • As garantias de pagamento ao licitante brasileiro serão equivalentes àquelas oferecidas ao licitante estrangeiro;
  • Os gravames incidentes sobre os preços constarão do edital e serão definidos a partir de estimativas ou médias dos tributos.
  • As propostas de todos os licitantes estarão sujeitas às mesmas regras e condições, na forma estabelecida no edital.
  • O edital não poderá prever condições de habilitação, classificação e julgamento que constituam barreiras de acesso ao licitante estrangeiro, admitida a previsão de margem de preferência para bens e serviços produzidos no Brasil que atendam às normas técnicas brasileiras.

Importante destacar que com relação a apresentação dos documentos de habilitação exigidos (jurídica, técnica,  fiscal, social e trabalhista, econômico-financeira), a nova lei deixou a cargo do poder executivo federal elaborar estabelecer regulamento sobre sua forma de apresentação.

Adesão do Brasil no GPA:

O GPA (“Government Procurement Agreement” ou Acordo de Compras Governamentais) é um tratado plurilateral no âmbito da OMC, do qual fazem parte 48 países e territórios aduaneiros autônomos que, juntos, constituem um mercado de contratações públicas estimado em US$ 1,7 trilhão anual. 

O pedido de adesão do Brasil ao GPA foi feito em maio de 2020, e apresentou sua oferta revisada em 25/11/2021. Trata-se de sinal da prioridade atribuída pelo governo brasileiro ao processo de acessão ao instrumento, bem como da importância para o Brasil do Sistema Multilateral do Comércio

A oferta revisada brasileira amplia o número de órgãos e entidades da Administração Pública que se comprometem a realizar contratações públicas abertas à participação de fornecedores dos países-membros do acordo, abrangendo bens, serviços e obras públicas. A adesão ao acordo promoverá a redução de gastos públicos e a melhoria da qualidade dos bens e serviços governamentais, bem como incentivará as exportações brasileiras e os investimentos externos no país.

A Nova Lei expressamente veda ao agente público designado para atuar na área de licitações e contratos, estabelecer tratamento diferenciado de natureza comercial, legal, trabalhista, previdenciária ou qualquer outra entre empresas brasileiras e estrangeiras, inclusive no que se refere a moeda, modalidade e local de pagamento, mesmo quando envolvido financiamento de agência internacional;

Por outro lado, mesmo diante da pendência de adesão ou não ao GPA, alguns aspectos ainda são relevantes quanto a efetividade das contratações internacionais e essas normas de “não discriminação”.

O primeiro a se ressaltar é que a Nova Lei manteve como critério de desempate entre duas ou mais propostas, a base de nacionalidade do licitante:

Art. 60. Em caso de empate entre duas ou mais propostas, serão utilizados os seguintes critérios de desempate, nesta ordem:

  • 1º Em igualdade de condições, se não houver desempate, será assegurada preferência, sucessivamente, aos bens e serviços produzidos ou prestados por: (…)

I – empresas estabelecidas no território do Estado ou do Distrito Federal do órgão ou entidade da Administração Pública estadual ou distrital licitante ou, no caso de licitação realizada por órgão ou entidade de Município, no território do Estado em que este se localize;

II – empresas brasileiras;

III – empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia no País;

Dessa forma, assim como na Lei 8.666/93, no caso de não haver desempate, a Nova Lei determina que seja dada preferência primeiro aos bens e serviços produzidos no país, advindos de empresas estabelecidas no Brasil, seguido daqueles advindos de empresas que invistam em pesquisa e desenvolvimento tecnológico no Brasil. 

Isso pode vir a ser um conflito lógico com as normas e príncipios estabelecidos no GPA, uma vez que a discriminação entre nacional e estrangeiro está consignada na própria lei.

Ademais, o art. 26 da Nova Lei manteve o estabelecimento de margem de preferência em duas hipóteses que também conflitam com os princípios do GPA, sendo elas:

Art. 26. No processo de licitação, poderá ser estabelecida margem de preferência para:

I – bens manufaturados e serviços nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras;

II – bens reciclados, recicláveis ou biodegradáveis, conforme regulamento.

III – poderá ser estendida a bens manufaturados e serviços originários de Estados Partes do Mercado Comum do Sul (Mercosul), desde que haja reciprocidade com o País prevista em acordo internacional aprovado pelo Congresso Nacional e ratificado pelo Presidente da República.

Apesar da margem de preferência obrigatoriamente advir de decisão discricionária e fundamentada da administração, isso também representa um dificultador para adesão plena aos objetivos e princípios do GPA.

Enfim, apesar de não se ter conhecimento real das perspectivas sobre o efetivo ingresso do Brasil ao GPA, espera-se que, caso ocorra a adesão, manobras legislativas sejam realizadas para que as incongruências da Nova lei com os princípios do GPA sejam eliminadas.

Entre elas, podemos considerar a  hermenêutica de que  tratados internacionais têm natureza de lei ordinária, sendo certo que pelo critério da temporalidade, o acordo teria precedência à lei nos casos em que fosse aplicável.

Ademais, especialistas também sustentam que o GPA teria caráter de lei específica, predominando sobre a Nova Lei, que tem caráter de lei geral.

Por fim, resta aguardar para ver os contornos que a adesão ou não ao GPA irá tomar no âmbito das contratações públicas. 

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